segunda-feira, 2 de julho de 2012

A Rio +20 e a Mulher nos espaços de poder



Passado duas décadas da Rio 92, em junho de 2012, a capital carioca recebeu novamente a conferência sobre sustentabilidade, a Rio+20, que discutiu os rumos e os desafios do desenvolvimento sustentável para os próximos vinte anos.
Nesse encontro com representatividade de povos do mundo todo, mais do que uma discussão do quanto que se progrediu nesse período, a expectativa foi de que novas diretrizes e posicionamentos sejam tomados.
Como crescer, produzir, consumir protegendo a natureza? E ainda quando defendemos a sustentabilidade, o desenvolvimento deve ser econômico, ambiental E SOCIAL.
Existem metas para as pessoas viverem mais iguais? Existem metas para acabar de vez com a fome no mundo? Como falar de ambiente sustentável considerando as desigualdades? A condição da mulher na sociedade é levada em conta?
Temos que reconhecer a grande diferença que ainda existe entre papéis sociais de gênero, e o como mulheres e homens são incluídos nos processos de decisões relacionados ao destino das cidades, dos países e do mundo.
Historicamente as mulheres foram alijadas dos processos de decisões políticas. A elas compete o cotidiano das ações, dificilmente o cotidiano das decisões, e são extremamente afetadas por estas decisões, pois, são elas as responsáveis por muitas funções que asseguram com que a rotina da vida diária aconteça da melhor forma possível.
São elas que permanecem mais tempo em casa, nas suas comunidades e mantém uma relação muito próxima com os recursos naturais. Muitas vezes, são suportes nas comunidades e provedoras das famílias. São elas que utilizam em maior parte os serviços de saúde e de assistência social, e estes serviços também são realizados por mulheres em grande parte.
Elas reconhecem a importância do desenvolvimento local e do meio ambiente para o bem estar de seus filhos e em geral, e em muitas vezes coloca as necessidades dos outros antes da sua própria. São altruístas. E assim são mais receptivas às necessidades de outros grupos, principalmente de grupos mais vulneráveis.
É emergente a necessidade de promover um desenvolvimento sustentável, assim, torna-se da maior importância assegurar que as mulheres tomem parte ativa, igualitária e decisiva em todos os níveis.
Hoje temos a Presidenta Dilma, vemos os índices positivos de redução da mortalidade materna, atenção maior às mulheres chefes de família e elas conquistando cada vez mais espaços nos bancos escolares. MAS a violência contra a mulher insiste, onde assistimos diariamente assassinatos, casos de abusos sexuais e desigualdade no trabalho. Mulheres discriminadas e tolhidas de sua liberdade de ir e vir.
Falar de desenvolvimento sustentável é levar em conta as desigualdades sociais persistentes entre homens e mulheres. Essa realidade é estruturante e persiste em nossa sociedade.
Em 2012 o IDG - Índice de Desenvolvimento de Gênero apresentado pelo PNUD coloca o Brasil em 80ª posição. Atrás de países como o Chile, Argentina, Peru, Venezuela e até atrás de países árabes como a Líbia, Líbano e Kuwait.
Portanto, as ações da Rio + 20 precisam ser incisivas para tornar o mundo masculino e feminino menos desigual. Há ainda muitos espaços a serem alcançados pelas mulheres no Brasil e no mundo, como espaços de poder, respeito e de valor na sociedade. Mulheres nos espaços de poder já!
Silmara Conchão – Professora, Pesquisadora e Socióloga da Faculdade de Medicina do ABC - FUABC

quarta-feira, 13 de junho de 2012

“O amor, a confiança e a fidelidade como proteção da Aids”



Por Silmara Conchão

Em pesquisa realizada recentemente com jovens do ensino médio em escola pública noturna, foi perceptível que todos (as) tinham informação sobre a Aids e sabiam que usar preservativo é uma forma de evitar a doença, uma certa preocupação que não condiz com a prática do sexo sem proteção revelada em diversos momentos na roda de conversa.
A vulnerabilidade masculina está relacionada a aspectos da masculinidade no sentido de sentir-se forte, imune a doenças, ser impetuoso, correr riscos e achar que o desejo sexual é incontrolável. A decisão de não usar camisinha é feita pelo homem, a mulher tem que confiar nele. A não utilização do preservativo masculino, segundo rapazes desse grupo, é atribuída à perda de sensibilidade na relação sexual e aos impulsos incontroláveis.
De acordo com a UNESCO, a população mais afetada, desde o surgimento da epidemia no país, tem sido a de 25 a 39 anos, tendo em vista o período de incubação do vírus da Aids (de 10 a 15 anos). Nota-se que os jovens estão se infectando entre os 15 e 25 anos, em sua maioria. Entre os homens acima de 13 anos a principal forma de contaminação é a relação sexual (61,6%), dividindo-se entre as categorias heterossexual e homossexual, cada uma com 24%, e bissexual, 13,7%. Na população feminina, a principal via de contaminação ocorre por meio da relação sexual, de padrão heterossexual (85,5%).
A epidemia da Aids mesmo com as vitórias acumuladas na sua assistência e no seu enfrentamento, que só foram possíveis pela atuação de inúmeras organizações governamentais e pela militância dos movimentos de luta contra a Aids, mesmo com a queda no número de óbito e sua relativa estabilização entre os homens homossexuais e bissexuais, a Aids vem crescendo entre as mulheres e em relações heterossexuais.
O risco da infecção feminina da Aids se dá por conta das relações desiguais de gênero que se manifesta na dificuldade de se fazer o uso da camisinha no relacionamento heterossexual estável, já que a prática envolve relações de confiança, compromisso e não reconhece a possibilidade mútua de um caso extraconjugal. Quem vive relações heterossexuais estáveis acredita que não corre perigo, considera o amor e as promessas de fidelidade como suposta proteção.        
            Faz-se urgente que os (as) profissionais dos serviços de saúde e educação ofereçam mais do que conhecimentos sobre a epidemia da Aids aos (às) jovens. Não adianta somente alertá-los (as) dos riscos, é preciso que abordem a problemática da infecção da doença pela perspectiva de gênero, ou seja, que discutam e reflitam com esse público a dinâmica social dos relacionamentos machistas entre homens e mulheres. As ações educativas para a prevenção da Aids devem considerar a maneira como estas relações social e culturalmente estão estruturadas, criando assim, possibilidades para a revisão de valores e atitudes para o exercício livre, com prazer e responsável da sexualidade na juventude e pra toda a vida.


Para saber mais: silmaraconchao13@blogspot.com - ou adquira o livro Masculino e Feminino – A Primeira Vez - por Silmara Conchão. Editora Hucitec. SP, 2011.

terça-feira, 5 de junho de 2012

Juventude, sexualidade e políticas públicas


JUVENTUDE, SEXUALIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS



As políticas públicas voltadas para adolescentes e jovens desconsideram os diversos aspectos da sexualidade, na medida em que não reconhecem que é parte do desenvolvimento e das relações entre as eles (as) os conceitos de amor, sentimentos, emoções, intimidade e desejo. Estes temas não se incluem, como se deve, nas intervenções em educação e saúde. Nesta perspectiva, adolescentes não são reconhecidos socialmente como pessoas sexuadas, livres e autônomas, o que os tem submetido a situações de vulnerabilidade no que diz respeito à infecção das DSTs/Aids e gravidez indesejada.
Suponho que este fato é resultante de um conjunto de aspectos não apenas individuais, mas também coletivos, contextuais, que acarretam situações distintas entre os rapazes e as moças, por uma desigualdade de gênero, ainda muito presente em nossa cultura. Mas as representações correntes sobre adolescência carregam estereótipos como “fase problemática da vida”, “existência de uma personalidade específica”, que vivem em “crise e aborrecentes”, e assim, desconsidera o contexto sociocultural.
Todo esse discurso produz rótulos danosos e individualiza a problemática que afeta a saúde sexual e reprodutiva desse público. De acordo com Helena Abramo (1997), podemos supor que a juventude seja um barômetro das mudanças sociais, pois a reconhecemos como uma geração responsável pela transmissão de valores ou pela ruptura de determinados padrões. Desse modo, ela é usualmente analisada a partir da ótica de “problema social” quando se afasta das expectativas sociais nela depositadas.
Quantas vezes não ouvimos afirmações que lançam mão de rótulos para explicar a maior susceptibilidade de adolescentes e jovens à Aids e à gravidez não planejada? Tais rótulos não nos dão instrumentos para lidar com o problema, além disso, retira a responsabilidade dos diferentes setores da sociedade em relação a essa questão. Setores como os meios de comunicação de massa, religião, escolas e equipamentos de saúde.
A construção de elementos que irão ao encontro das necessidades do público adolescente e, mais especificamente, meios para a prevenção da Aids e da gravidez não planejada, não só dependem da ampliação do acesso desses indivíduos à informação e aos recursos para se protegerem, mas principalmente de transformações sociais mais profundas, relacionadas ao contexto no qual estão inseridos.  
Estamos diante de novos desafios e poucos avanços, pois, os velhos dilemas permanecem e obedecem a um padrão conservador de moralidade, promovendo a histórica violação dos direitos sexuais e reprodutivos nessa fase. Tal realidade tem alimentado práticas discriminatórias inaceitáveis, provocado situações de exclusão, evasão escolar e mortes que poderiam ser evitadas, como as causadas pelas práticas de aborto inseguro, a mortalidade materna e a homofobia.
Que as políticas públicas deem conta de atender os direitos básicos, sexuais e reprodutivos dessa galera para que possam gozar da sua saúde em paz, sem medo ou solidão, sem riscos, nem sentimentos de culpa e assim elaborar seus projetos de vida e viver muito para realizar os seus sonhos. 

Por Silmara Conchão
Mestra em Sociologia pela FFLCH/USP, professora da Faculdade de Medicina do ABC e autora do livro Masculino e Feminino: a primeira vez - Editora Hucitec


terça-feira, 8 de maio de 2012

Homossexualidade: a modernização dos costumes e as garras do conservadorismo


HOMOSSEXUALIDADE: a modernização dos costumes e as garras do conservadorismo
Por Silmara Conchão
             
Em minha pesquisa[1] realizada em Santo André sobre sexualidade foi notável as opiniões divergentes sobre o tema em um grupo de jovens. Apesar de alguns afirmarem não ter preconceito viu-se nitidamente a contradição quando surgiram expressões do tipo: “eu não tenho preconceito, mas não ando com gay, não converso, não critico e não tenho amizade” ou “se eu vejo, não vou ficar xingando, saio de perto”.
            Observou-se uma maior tolerância das moças frente ao tema, que com mais tranqüilidade disseram ter amizades com garotas e garotos gays. Em tom maduro, afirmaram a importância das pessoas assumirem primeiro para si sua identidade: “Eu acho que se você é gay, você tem que ser o que é e se aceitar”.
           As reações discriminatórias foram maiores entre os rapazes, contudo, não se pode afirmar que as opiniões são imutáveis, ou seja, por toda a vida pensarão desta forma. A presença de gays nos espaços públicos parece desafiar a reputação do “macho” que se sente ofendido diante de dois homens namorando.
           Indignados, alguns rapazes disseram que hoje em dia tem gay em todo o canto: na TV, na escola, no metrô, nas ruas, no trabalho. Afirmam que a TV teve um papel fundamental para que gays fossem para as ruas como estão hoje. E com isto “se as crianças virem homem com homem ficam induzidas”. Para alguns esse fato seria uma ótima justificativa para que homossexuais não namorassem em locais públicos.
            A discriminação contra homossexuais ocorre, em muitas vezes, de forma velada, por meio de referências preconceituosas e pejorativas com o intuito de humilhar, discriminar, ofender, ignorar, isolar e ameaçar.                      
           Decorre dessa situação, para adolescentes homossexuais, uma dificuldade imensa em como administrar o estigma social. Esse constrangimento, produto de nossa educação machista, modula o modo de administrar sua identidade sexual. Uns assumem publicamente a existência de um (a) parceiro (a) do mesmo sexo, outros tentam disfarçar e se esconder. Em ambas as situações, tenham certeza, há muita dor e sofrimento.
Mesmo assim, na pesquisa houve uma declaração corajosa de um dos rapazes que revelou no grupo sua bissexualidade. Namora e freqüenta boate gay com a namorada, e se diz a favor da felicidade das pessoas, pois, isto é o que importa e que ninguém, segundo ele, tem que obedecer a “dogmas religiosos”, “tem sim é que buscar suas formas de sentir prazer e viver coisas novas”.
Embora vivamos numa sociedade que ainda insiste em nos ensinar que a heterossexualidade é a mais natural, correta e até mesmo a única maneira de nos relacionarmos afetiva e sexualmente, na vida real vemos que as práticas são outras e o debate sobre a afirmação da homossexualidade, está em curso.
Este debate é pautado sobre um clima de crescente liberalização dos costumes associados a estilos de vida diversos que vem se mostrando a cada dia. Ao mesmo tempo, o conservadorismo tem afiado suas garras para manter a homossexualidade no campo da promiscuidade, da doença, do desvio de comportamento, do feio, do pecado, e se mostra violento com reações que discrimina, humilha e mata. Direitos humanos, sexuais e reprodutivos são pra toda gente, sem distinção. Está na hora de repensarmos valores e o nosso papel na luta contra qualquer tipo de violência.




[1] Para saber mais adquira meu livro: Masculino e Feminino, a primeira vez, no site da Editora Hucitec.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

O protagonismo da saúde nos projetos de inclusão social em Santo André (SP)



O protagonismo da saúde nos projetos de inclusão social em Santo André (SP)


por: Vânia Barbosa do Nascimento, Ieda Maria Cabral da Costa e Silmara Conchão

http://www.isaude.sp.gov.br/smartsitephp/media/isaude/file/bis_v12_2.pdf


Introdução

No contexto mundial de crise fiscal, a descentralização das ações governamentais para as esferas subnacionais de governo passou a ser apontada como o caminho necessário para lograr maior eficácia, eficiência e controle público da ação estatal.
Não obstante, em uma sociedade marcada por profundas assimetrias, como a brasileira, a atuação do poder local mostra-se cada vez mais desafiadora. Os municípios brasileiros convivem com enorme déficit social, diante de uma conjuntura de crescimento econômico comprometido, em recente processo de estabilização, oportunidades de trabalho ainda desfavoráveis face ao crescimento demográfico, insuficiência na oferta de serviços públicos, déficit habitacional e contingente signifi cativo da população em situação de pobreza. Além de possibilidades muito restritas de intervenção local na lógica econômica mais ampla, a transferência de atribuições para a atenção pública aos municípios, sem uma proporcional redistribuição dos recursos fiscais necessários ao adequado financiamento das políticas, tem provocado um quadro de limitações e constrangimentos na ação do poder público local.
Perde sentido, assim, orientar as ações locais e direcionar os escassos recursos apenas sob a lógica restrita de combate às desigualdades na oferta dos serviços públicos e combate à pobreza, pois os resultados poderão ser insatisfatórios diante das complexas necessidades humanas. É preciso perceber que se
vive atualmente um processo muito mais amplo de exclusão social. Faz-se relevante, portanto, assumir que
a exclusão social está intimamente ligada a fatores multidimensionais, relacionados a uma condição que
extrapola os meros bens materiais.
Colocam-se, então, alguns caminhos possíveis na construção de um processo de inclusão social. Um caminho de natureza mais objetiva, relacionado diretamente ao acesso universal, é a melhor distribuição da
riqueza socialmente produzida. Outro, mais subjetivo, diz respeito ao sentimento pessoal de pertencimento
ativo à vida social, à esfera pública, à comunidade, à cidade e à nação, sentimento estreitamente vinculado
ao fortalecimento da identidade social de cada sujeito. Este processo necessita ser ancorado na democratização do Estado, significando a ampliação da participação cidadã em processos decisórios que permitam a obtenção de consensos acerca da alocação dos recursos públicos, de forma a favorecer a politização da definição de estratégias e do desenho operacional das políticas públicas.
O município de Santo André buscou desenvolver uma política ampliada de participação social a partir dessas premissas, investindo esforços na potencialidade sinérgica do Programa Integrado de Inclusão Social. Verificou-se que, apesar dos signifi cativos constrangimentos orçamentários e financeiros impostos aos municípios, o poder local tem um papel fundamental a desempenhar na construção de uma vida social mais justa e de uma cidade mais igual.

Os projetos de inclusão social em Santo André

O método de governo em Santo André, desde 1997, foi o de trabalho matricial, incorporado em grande parte dos programas e projetos da administração. Vale destacar a experiência do Programa Integrado de Inclusão Social, criado em 1998 e que beneficiou 6.272 famílias nos seus 10 anos de existência, melhorando a qualidade de vida, o acesso a políticas sociais, ao trabalho e à renda e, principalmente, a efetivação dos direitos de cidadania de populações desfavorecidas.
Os territórios selecionados caracterizavam-se por profunda exclusão social traduzida pela ausência de
políticas públicas, especialmente de saúde, educação e habitação, enquanto a população estava desmobilizada pela ausência de lideranças locais e com um sentimento de discriminação e desconfiança no Poder Público. Nesse contexto amplamente desfavorável, procurou-se a integração das ações das políticas sociais por meio do desenvolvimento de níveis de inclusão social da população e do estímulo à participação
da comunidade. Os moradores eram estimulados a usufruir de outros canais de participação, como o Orçamento Participativo, no qual opinavam sobre a aplicação dos recursos no município.
A estratégia de integração e implantação simultânea dos diversos programas e projetos de combate à
exclusão foi a grande oportunidade de êxito do projeto: “tudo junto ao mesmo tempo e no mesmo lugar”
era a palavra de ordem para a ação dos agentes públicos e da comunidade.
Dentre as ações, destacam-se a urbanização de favelas; o combate às desigualdades de gênero; a coleta
seletiva; a criação de unidades de negócios; a transferência de renda; o banco do povo; as ações com jovens e idosos; a incubadora de cooperativas; a saúde da família; o atendimento domiciliar à saúde; a alfabetização de jovens e adultos; o empreendedorismo popular; o ensino profissionalizante; as atividades culturais e de lazer extracurriculares com crianças; a atenção às pessoas com deficiência e a cobertura do atendimento à educação infantil, com o projeto Sementinha. A exclusão social é um fenômeno multidimensional, de ordem econômica, cultural, urbana e social,cujas diferentes dimensões se articulam entre si, alimentando-se mutuamente, ou seja, uma pessoa sem emprego tende a morar em más condições, com menor acesso à saúde, educação e a bens culturais.
A natureza multidimensional da exclusão social sugere uma abordagem integrada, em virtude da qual
seja possível às pessoas excluídas transitarem de uma situação a outra, em que a inclusão seja conquistada
simultaneamente nas suas diferentes formas de manifestação, como aponta a fala de uma das lideranças
das áreas atendidas pelo projeto, no Seminário de Avaliação e Encerramento do Programa da União Europeia: “Inclusão social, pra mim, vai muito além do asfalto e do telhado da minha casa. É ter hoje um endereço próprio e receber as minhas cartas, é receber uma visita em casa sem sentir vergonha, é ter meu fi lho deficiente numa escola pública”

Essa abordagem vai além do plano material, alcançando o âmbito do subjetivo, ou seja, o da autoestima,
o do sentimento de pertencimento à comunidade e à cidade. Tratava-se, portanto, de construir um conjunto
de ações que dessem conta das diversas dimensões em questão, para além das políticas meramente compensatórias, cujo fundamento é a inexorabilidade da exclusão social.
Em consonância com esta perspectiva, os programas e projetos de inclusão social do município traziam um forte apelo à participação direta da população, e pretendiam que as pessoas se apropriassem do território onde moravam também como local agradável de viver.
O Programa Integrado de Inclusão Social foi rebatizado como “Santo André Mais Igual”, dando continuidade à gestão descentralizada e participativa, que favorecia a complementaridade das ações e permitia um diagnóstico preciso com leitura mais global da demanda das famílias atendidas.
A iniciativa foi considerada, por muitos anos, uma referência internacional, fazendo com que Santo André
conquistasse diversos prêmios mundiais. O “Programa Gênero e Cidadania” do “Santo André Mais Igual” recebeu, em 2002, o prêmio de melhores práticas do mundo da Conferência Internacional HABITAT, da ONU, em Dubai, nos Emirados Árabes, por incluir o tema da desigualdade de gênero no planejamento das ações voltadas para o desenvolvimento social, econômico e urbano em núcleos de habitação popular. A contribuição estratégica da saúde Com a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), Santo André expandiu muito a rede de saúde pública nas últimas duas décadas. Conformou uma ampla rede de instalações, a começar pela atenção básica, que possuía unidades de saúde e equipes de saúde da família na maioria dos territórios do município. Além desses serviços, o governo municipal investiu na atenção de média complexidade instalando unidades de pronto atendimento em locais estratégicos da cidade, ampliou as instalações do seu hospital geral e implantou um hospital especializado para o atendimento à mulher.
Programas e ações dirigidos às populações vulneráveis ocupavam também espaço na agenda da
saúde do município, com destaque para a saúde da juventude, a redução de danos, a saúde mental e a
atenção à violência sexual, sempre atuando de forma integrada com outras áreas do governo, na perspectiva da inclusão social.
Mas foi no Programa Santo André Mais Igual, que reuniu 12 diferentes órgãos do governo em parceria
com organizações não-governamentais, que a saúde conseguiu dar a sua contribuição estratégica. Isso porque os principais elementos norteadores da proposta de inclusão social desenvolvida no município – integração, descentralização, participação da comunidade, acesso universal, integralidade etc. – fundamentavam-se nos princípios e diretrizes do SUS. Em função disso, os projetos de inclusão social no município foram inquestionavelmente facilitados pela participação da saúde, principalmente quando se optou por implantar a estratégia de saúde da família nos territórios eleitos para o desenvolvimento dos projetos. Nesse aspecto, deve-se destacar que:
a) a ação intersetorial em um território defi nido é uma das principais diretrizes da Estratégia de Saúde da Família. Assim, a metodologia de trabalho proposta pela Inclusão Social não causava “estranhamento” na área da saúde. Ao contrário, vimos nisso uma oportunidade ímpar de colocar em prática, de maneira mais efetiva, aquilo que já desenvolvíamos com muita dificuldade. Ademais, a ação em território defi nido facilitou o diálogo do pessoal da saúde com o das outras áreas;
b) a articulação entre comunidade e serviços é a base da concepção e implantação dos agentes comunitários de saúde. Algumas vezes, os Agentes Comunitários de Saúde (ACS) funcionavam como “tradutores”, tanto das demandas da população quanto das propostas do governo, visto que o jargão “técnico”, frequentemente utilizado pelos agentes do governo, dificultava a comunicação com a população;
c) sem a capilaridade propiciada pela saúde por meio dos ACS, muitas das ações propostas não chegariam
a determinados segmentos da comunidade, seja pela dificuldade de comunicação entre técnicos e popula-
ção, seja por problemas derivados da violência urbana, como a interdição de determinados locais praticamente dominados pelo tráfico. As avaliações do projeto afi rmam, consensualmente, que os ACS tiveram um papel privilegiado dentro do Programa Integrado de Inclusão Social, por atender domiciliarmente toda a população e serem moradores dos núcleos. Ao tomarem conhecimento de
situações locais vividas, eles orientavam as famílias para o uso adequado das demais ações do programa
disponíveis na comunidade. Além disso, colhiam dados para o diagnóstico das condições de vida e situa-
ção de saúde das famílias, como as pesquisas sobre a prevalência de portadores de deficiências e as pesquisas de avaliação dos Programas de Renda Mínima e Ensino Profissionalizante.
Segundo os ACS, a integração dos diversos programas facilitou sua atuação. Afi rmaram, por exemplo, que
o comportamento das mulheres mudou muito quando começaram a participar do Programa Renda Mínima,
facilitando seu trabalho ao absorver mais facilmente as informações. Além disso, antes elas não estudavam
nem se interessavam por nada e, depois de aderirem ao programa, começaram a “querer saber de tudo”, “procuram a saúde e procuram os direitos delas”. O comportamento de alguns homens também mudou. Eles passaram a ir junto com as companheiras para também obter informações, resultado do trabalho conjunto dos programas de Renda Mínima e de Gênero e Cidadania
Através do depoimento da mãe de uma criança portadora de deficiência, torna-se possível compreender a
profundidade que o projeto alcançou. O ACS local também teve papel de destaque ao identifi car a criança e introduzir sua família nos projetos sociais disponíveis: “Esse pessoal da Prefeitura não vem aqui para
oferecer nada, não dão cesta básica, comida, doces para as crianças, mas nos tratam com respeito e, depois que passei a frequentar as reuniões, consegui muita coisa boa para o meu filho. Agora, ele está na escola com outras crianças, vai ao Centro de Reabilitação, e até o pai faz questão de levar e buscar na escola, de andar com ele pelo bairro”

Considerações finais
Apesar dos avanços consideráveis, reconhecidos nacional e internacionalmente, os projetos de inclusão
social em Santo André enfrentaram difi culdades no seu desenvolvimento. A principal delas é a cultura institucional tradicional de conceber e atuar setorialmente, fazendo com que, em alguns momentos, as ações, embora juntas espacialmente, se concretizassem de forma desarticulada e com abordagens diversas sobre o mesmo objeto. Mas, o reconhecimento desse obstáculo foi extremamente importante na busca de sua superação.
Diversas discussões de equipes foram realizadas, procurando resolver os entraves à integração no cotidiano
da ação concreta.
A participação dos ACS nos programas e projetos de inclusão social possibilitou a institucionalização de uma das principais propostas da Estratégia da Saúde da Família – a atuação intersetorial – potencializando sua prática diária e conferindo efetividade às suas ações.
Por outro lado, a atuação dos ACS nas equipes locais facilitou o desenvolvimento do Programa, visto que,
como moradores da própria comunidade e trabalhadores da área da saúde, eles se mostraram capazes de
traduzir e articular as demandas dos outros agentes do governo, da comunidade e das organizações não-governamentais que atuam na área.
O resultado disso é que a metodologia integrada e participativa passou a ser reivindicada por outros programas no âmbito do governo local, que passaram a trabalhar intersetorialmente, buscando inspiração metodológica nos projetos de inclusão social.

Referências
1.  Carneiro Junior, Silveira C. Organização das práticas de atenção primária em saúde no contexto dos processos de exclusão/inclusão social. Cad Saúde Publica 2003.
2.  Daniel CA. Governança urbana inclusiva em Santo André: o programa integrado de inclusão social. Un Cronicle 2001; (ed. especial Istambul):
3.  Intendencia Municipal de Montevideo. Comisión de la Mujer. Fundación Friederich Ebert. Fortaleciendo
escenarios de encuentro: un paso más. Montevideo: Unidad Temática de Género y Municipio/Rede
Mercociudades; 2004.
4.  Prefeitura de Santo André, Secretaria de Inclusão Social e Habitação. Santo André mais igual: programa integrado de inclusão social. Santo André: PSA/SISH; 2002.
5.  Prefeitura de Santo André, Núcleo de Comunicação. Santo André cidade futuro: agenda do milênio. Santo André, 2007.
6.  Santo André: o programa integrado de inclusão social. Rev Adm Municipal 2001; 46 (229):5-9.
7.  Seminário de Avaliação e Encerramento do Programa da União Européia; 2004, Rio de Janeiro, BR. Apoio às populações desfavorecidas (Santo André e Rio de
Janeiro): Relatório. Rio de Janeiro; 2004.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

SER MÃE OU PAI NÃO É BRINCAR DE BONECA


SER MÃE OU PAI NÃO É BRINCAR DE BONECA – Um ensaio sobre a gravidez na adolescência – Do Livro: Masculino e Feminino - a primeira vez (Ed. Hucitec). Por: Silmara Conchão (Professora da Faculdade de Medicina do ABC – FUABC)

Nesse texto faço referência a gravidez “não planejada” na fase adolescente, que é uma questão polêmica na vida de uma mulher em qualquer faixa etária.
Devemos considerar que a maternidade ainda é um componente muito valorizado da feminilidade. Nesse cenário de atitudes e de papéis claramente designados a cada sexo, as relações sexuais entre homens e mulheres são vividas com muita espontaneidade, ou seja, é pouco provável que uma primeira relação sexual seja dialogada ou combinada.
A gravidez não planejada na adolescência não é devido à falta de informação. De acordo com meus estudos, acontece pelo desejo sexual intenso para os meninos, e para as meninas pela falta de diálogo mais aberto na família, à imaturidade e/ou à ingenuidade em acreditar no método tradicional do coito interrompido.
É vista, de modo geral, como um problema, um peso para o resto da vida, pois ocorrem mudanças importantes na vida das mães adolescentes e no cotidiano de sua família que assume o compromisso de cuidar do bebê. Apesar de muitos rapazes terem consciência deste fato, a maior parte não assume a paternidade. Demonstram se assustar com a idéia, alegando que este medo de assumir um filho está relacionado, segundo eles, com a falta de recursos econômicos, de perspectivas de emprego, com o desejo de estudar e ainda do filho não ser deles.
A perversa estigmatizacão das jovens mães solteiras individualiza o problema quando responsabiliza única e exclusivamente as moças. Os rapazes ainda parecem esquecidos neste processo, absolvidos pela sociedade. Quando os comentários sempre se dão na direção das mulheres, a partir do conhecimento dos casos de gravidez nesta fase: “ela não se cuidou”; “ela é um enrosco”; “é ingênua e acreditou nele”; “ela dá pra todo mundo”. No entanto, esconde realidades sociais distintas e suas possíveis conseqüências danosas relacionadas às relações de gênero, criando um estigma em torno do público feminino quando atribui à elas a ingenuidade, a promiscuidade e a ignorância.  
A pílula do dia seguinte, ou melhor, a contracepção de emergência vem sendo utilizada cada vez mais como método anticoncepcional pelas adolescentes, e é de fácil acesso nas farmácias. Nesse aspecto, vemos as meninas vulneráveis à infecção das DSTs/Aids com a não utilização do preservativo.
Tais afirmações representam que a informação que chega a esse público, muitas vezes, não trata adequadamente a questão, e a garantia ao acesso desses adolescentes aos meios de anticoncepção e/ou de prevenção ainda é um desafio para as políticas públicas de saúde.
O sexo sem proteção nesta fase levanta a reflexão sobre a maternidade e a paternidade precoce. Segundo o Projeto Juventude (2004), entre adolescentes de 15 a 17 anos, o casamento ocorre para 5%. Do total de adolescentes no Brasil 4% têm filhos, sendo 7% das moças e 1% dos rapazes.  De acordo com o painel de indicadores do Sistema Único de Saúde (SUS) de 2006, adolescentes de 10 a 19 anos de idade responderam por 22% de cerca de 670 mil partos ocorridos em 2003. As mães de 10 a 14 anos foram cerca de 30 mil em todo o país. Entre 2002 e 2004, nota-se uma pequena tendência de queda da gravidez na adolescência nas regiões Centro- Oeste, Sul e Sudeste, e uma relativa estabilidade no Norte e no Nordeste.
Na faixa etária dos 15 aos 19 anos, entre 1998 a 2006, houve um crescimento de 13% do total de casos de gravidez em todo o país. Essa expansão corresponde a mais de 60 mil bebês nascidos de mães com menos de 19 anos[1].
A gravidez nesta fase se sobressai em relação a outras faixas etárias e ganha visibilidade em razão da maior proporção de gravidez e nascimento neste período que, na maioria dos casos, ocorre fora do casamento. Socialmente não é legítimo que isto ocorra, pois, existe uma expectativa para esse público relacionada ao aumento de escolaridade e à diminuição da evasão escolar e por isso é considerada um problema social.
Reproduzimos desigualdade social e a pobreza quando deixamos de acolher, ouvir e orientar adequadamente os e as adolescentes sobre sexo e sexualidade. Quando permitimos que uma garota desista da escola por conta da gravidez e quando permitimos que os garotos não assumam a paternidade responsável e quando discriminamos e privamos esse público dos direitos sexuais e reprodutivos, tratando-os como seres assexuados.



[1] REVISTA Carta Capital, 09 de julho de 2008, p. 25. 

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012


Caros e Caras,
nesse início de blog resolvi colocar algumas coisas que eu já tinha escrito.

Esse é um resumo de artigo, a publicação completa tá no link:





RESUMO

O objetivo deste trabalho é identificar estratégias para ações que diminuam situações de vulnerabilidades entre jovens. Assim, este artigo apresenta resultados da pesquisa com jovens em situação de vulnerabilidade social na cidade de Santo André, São Paulo, visando à identificação de estratégias para ações nas áreas sociais, que contribuam com a diminuição das suas vulnerabilidades, empregando o conceito de resiliência. Através do método qualitativo, utilizou-se a estratégia de grupos de conversa, guiados por temas: 1) "contextualização do projeto e discussão sobre o conceito de resiliência"; 2) "minha situação atual e meus propósitos"; 3) "minhas capacidades e recursos" e 4) "recuperar as fortalezas". Participaram 11 jovens de idade entre 15 a 19 anos, inseridos nos diversos Programas Sociais da Prefeitura de Santo André. Os grupos foram gravados em áudio, transcritos empregando análise de conteúdo. Esse trabalho foi desenvolvido no período de 30 de novembro a 02 de dezembro de 2007. Os jovens ao relatarem suas experiências de exposição à violência doméstica, relação com drogas, conflito com a lei, rejeição familiar e social, entre outras, reelaboraram sua própria história e perceberam suas potencialidades de superação, associando-se, nesse momento, o conceito de resiliência e fortalecimento de suas competências. Tal estratégia possibilitou a reflexão e a exposição dos seus sonhos e desejos como uma possibilidade. A metodologia utilizada permite aproximação e resultados mais efetivos com grupo-alvo, sendo, portanto, promissora para os programas e as ações dirigidos a eles por agentes públicos.